Publicada no site da Atea, no dia 16 de Outubro de 2010.
"Prezado Serra,
"o uso de temas religiosos na campanha eleitoral tem causado preocupação em muitos setores da sociedade, e os ateus não são exceção. Em primeiro lugar, a religiosidade de quase todos os candidatos, inclusive o senhor, tem sido utilizada como troféu, pois é exibida ostensivamente, repetida, reafirmada em palavras, gestos e até em material de campanha. É perfeitamente legítimo identificar-se com posições de um ou outro grupo de eleitores: constitui a própria essência do jogo eleitoral. Mas a posição religiosa de cada um é subjetiva, carregada de emotividade e metafísica, e frequentemente descolada da ortodoxia do grupo. As pesquisas deixam claro, por exemplo, que existe um exército de católicos recorrendo a contracepção, aborto e divórcio.
"Se adesão religiosa não é sinal de concordância doutrinária, ela nada nos diz sobre conteúdo programático, e portanto não tem lugar nas campanhas eleitorais. A exibição de fé dos candidatos ajuda o clientelismo político-religioso e constitui, na melhor das hipóteses, um apelo à emoção do eleitor, vazio de conteúdo. Na pior, é uma exploração da religiosidade popular com fins pessoais e eleitoreiros, que apela e reforça o que há de pior na população: o preconceito contra ateus.
"Assim como a orientação sexual, o posicionamento religioso do candidato é matéria íntima que em nada influi na capacidade de liderar, governar ou legislar. Explorar eleitoralmente esse dado, seja qual for, é concordar com a posição de que é lícito discriminar cidadãos com base nesse critério, o que é não apenas imoral e antidemocrático como inconstitucional.
"Serra, sua campanha está utilizando a frase "Jesus é a verdade e a justiça". É claro que seu direito de opinião é livre. Mas de que maneira essa crença o qualifica como candidato, ou como governante? De que maneira, em uma democracia laica, ela pode influenciar a escolha de voto? Em cada três pessoas vivas hoje, duas não concordam com essa frase. O único efeito que uma tática desse tipo pode ter é o de angariar votos completamente desvinculados de propostas de campanha, o que já é ruim, e às custas da perda de eleitores de todas as posições não cristãs, o que é péssimo.
"Lembre-se, Serra, que em um Estado laico o poder e as verdades não emanam de qualquer religião ou ideia religiosa, mas de conceitos abertos ao debate. Como governante, devemos esperar que procure a verdade através da fé e da religião, ao invés do debate e das evidências científicas? Sua busca por justiça será entremeada pela busca por Jesus? Em caso afirmativo, confirma-se a ideia de que voltaremos a uma teocracia. Em caso negativo, trata-se de estelionato eleitoral.
"(...)"
A Atea é Associação Brasileira de Ateus e Agnóstico, uma entidade sem fins lucrativos que objetiva congregar ateus e agnósticos, defendendo seus interesses e direitos, bem como e combater o preconceito e a desinformação a respeito do ateísmo e do agnosticismo, dos ateus e dos agnósticos, entre outros. Para mais informações, visite o site www.atea.org.br.
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